Sobre o casamento no sistema védico, carta de 1973.
Nesta quinta de oito correspondências de Prabhupada selecionadas para publicação no Amigos de Krishna, lemos um trecho da carta de Srila Prabhupada datada de 4 de janeiro de 1973, endereçada a Madhukara, St. Louis. Nesta carta, Srila Prabhupada responde a seu discípulo que pede autorização para deixar sua esposa sob o argumento de que, na posição de vanaprastha, retirado da família, sua vida espiritual será melhor. Srila Prabhupada não apenas o responde objetivamente, mas também apresenta orientações gerais sobre a importância do cumprimento dos deveres ocupacionais que aceitamos e explica como o serviço devocional a Deus independe de qualquer consideração externa. Uma carta de extrema relevância a qualquer um que deseja conduzir sua vida tal qual Arjuna se conduziu após ouvir o Bhagavad-gita.
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Meu caro Madhukara,
Confirmo o recebimento de sua carta datada de 22 de dezembro de 1972, e considerei o conteúdo com atenção. Para essas perguntas feitas sobre marido e mulher, você está me pedindo para deixar sua esposa e aceitar a ordem vanaprastha de vida; para essas questões, você tem que consultar os presidentes e o GBC para obter permissão. Sim, conheço sua esposa Lilasakti, e sei que ela é muito séria e uma discípula avançada. Contudo, agora que você está casado com ela, há certas obrigações de acordo com a nossa consciência de Krsna ou sistema védico. Essas coisas não podem ser tidas como baratas, ou então tudo se tornará uma farsa. Apenas me caso sem considerar quão séria é a natureza da vida marital, e então, se há alguma pequena perturbação, ou se não gosto de minha esposa ou de meu marido, vou embora – todos os demais estão fazendo isso. Deste modo, tudo está virando uma grande desordem. Você diz que a companhia dela está dificultando seu avanço. Mas o sistema matrimonial da consciência de Krsna não deve ser tido dessa maneira, que, se há algum aborrecimento, isso significa que algo está estorvando o meu progresso espiritual, não. Uma vez adotada a vida de grhastha, mesmo que seja por vezes problemática, ela tem que ser cumprida como meu dever ocupacional...
Agora, desconheço a situação de seu caso em particular; estou apenas lhe dando a política geral e o entendimento básico. Jamais devemos pensar em nosso assim chamado avanço como condicionado por algum conjunto de circunstância materiais ou dependente de tais circunstâncias, tais como casamento, vanaprastha ou isto ou aquilo. O entendimento maduro da consciência de Krsna é que qualquer condição de vida em que eu esteja atualmente é a misericórdia especial de Krsna para comigo, em razão do que devo aproveitá-la da melhor forma possível para disseminar este movimento da consciência de Krsna e conduzir a missão de meu mestre espiritual. Caso eu considere meu próprio progresso pessoal ou minha própria felicidade pessoal ou qualquer outra coisa pessoal, isso é uma consideração material. Se houve infelicidade em casar-se, por que você se casou? O que quer que esteja feito está feito, isso é fato, mas estou apenas apontando que uma vez anteriormente você fez algo sem estudo apropriado de sua verdadeira responsabilidade, e, agora, você está cogitando novamente tomar uma decisão drástica de maneira similar. Portanto, considere tudo cuidadosamente à luz disto. Há um verso no Bhagavad-gita,yasman nodvijate loko lokan nodvijate ca yah / harsamarsa-bhayodvegair mukto yah as ca me priyah: “Aquele por quem ninguém é colocado em dificuldade e que não se perturba ficando ansioso, que estável na felicidade e na aflição, é muito querido a Mim”. (12.15) Um erro de julgamento frequentemente feito pelos devotos neófitos é que, sempre que há alguma perturbação ou dificuldade, eles consideram que as condições ou circunstâncias externas sob as quais a dificuldade surgiu é a causa da dificuldade em si. Esse não é o fato. Neste mundo material, há sempre alguma dificuldade, independente de ser nesta situação ou naquela. Portanto, simplesmente mudar minha posição ocupacional ou meu status de vida não ajudará em nada. Porque o fato verdadeiro é que, se há alguma dificuldade com outros, isso é minha falta de consciência de Krsna, não deles. Isso está claro? Krsna diz que Seu devoto mais querido é aquele que não coloca outros em dificuldade; com efeito, aquele que não coloca ninguém em dificuldade. Assim, tente julgar a questão a partir destes pontos, se você não está colocando ou sua esposa ou você mesmo em dificuldade. A compreensão correta do Bhagavad-gita é a compreensão de Arjuna. Em outras palavras, Arjuna chegou à conclusão de que ele tem que cumprir seu dever ocupacional, não como uma obrigação material, por causa de esposa, família, amigos, reputação, integridade profissional etc. – não –, senão que ele tem que exercer as funções de sua posição de vida apenas como um serviço devocional realizado a Krsna. Isso significa que o serviço devocional é o que importa, não meu dever ocupacional. Mas isso não significa que, porque o dever ocupacional não é a consideração real, que devo abandoná-lo ou fazer outra coisa pensando que o serviço devocional pode ser praticado sob quaisquer circunstâncias pelas quais eu decida caprichosamente. Krsna recomendou a Arjuna que permanecesse como ele era, sem perturbar a ordem social e sem ir contra sua própria natureza apenas por conveniência. Nosso dever ocupacional não é arbitrário, o que significa que, uma vez que o tenhamos adotado como esfera de atuação; caso sejamos avançados em nosso entendimento, não o trocaremos por outro. Se a nossa devoção é o fator importante, que importa o que estou fazendo contanto que meu trabalho e minha energia sejam completamente devotados a Krsna? Krsna, por exemplo, é a Suprema Personalidade de Deus, e Ele não tem trabalho, tampouco tem algum afazer; ainda assim, Ele vem aqui para nos ensinar esta lição. Ele aceita não apenas Seu dever ocupacional como vaqueirinho, príncipe real, mas também aceita a vida matrimonial, Ele entra na política, Ele é filósofo, Ele é até mesmo quadrigário durante uma grande batalha: Ele não dá exemplo no qual Ele evita Seu dever ocupacional. Assim, se o próprio Krsna está mostrando mediante Sua própria conduta qual é a perfeição da existência, então devemos dar atenção a tal exemplo se somos inteligentes. Mesmo supondo que há uma esposa em casa, com filhos, isso não importa: isso não é impedimento para a nossa vida espiritual. E, uma vez que tenhamos aceitado essas coisas, os deveres ocupacionais, não devemos abandoná-los de maneira barata. Esse é o ponto. É claro que o nosso dever ocupacional é como pregadores da consciência de Krsna. Assim, temos que nos ater a esse serviço sob todas as circunstâncias – esse é o ponto principal. Portanto, casado, solteiro, divorciado, em qualquer condição de vida – minha missão de pregar não depende dessas coisas. O sistema varnasrama-dharma foi organizado cientificamente por Krsna para providenciar facilidades para levar as almas caídas de volta ao lar, de volta ao Supremo. E temos de pensar se fazemos bem em zombar desse sistema perturbando caprichosamente a ordem. Não será um bom exemplo se muitíssimos rapazes e moças se casarem tão casualmente e, em seguida, afastarem-se um do outro e a esposa ficar um pouco infeliz pelo esposo a estar negligenciando de muitíssimas maneiras. Se estabelecermos esse exemplo, como tudo prosseguirá apropriadamente?...
Assim, introduzi este sistema matrimonial em seus países ocidentais porque existe o costume de homens e mulheres se misturarem livremente. Portanto, o casamento é necessário apenas para ocupar as moças e os rapazes no serviço devocional, independente de distinções de posição de vida. Mas o nosso sistema matrimonial é um pouco diferente do sistema no país de vocês: não sancionamos a política de rápido divórcio. Cabe-nos aceitar o esposo ou a esposa como companheiros eternos ou eternos assistentes no serviço da consciência de Krsna, e fazemos a promessa de jamais nos separarmos. É claro que, se há algum caso de discípulos muito avançados, e o casal unido pelo matrimônio concorda que o esposo agora deve aceitar sannyasa, ou a ordem renunciada de vida, estando mutuamente muito felizes com o arranjo; para semelhante separação, há espaço. Mas, mesmo nesses casos, não há questão de separação; o esposo, mesmo se ele está em sannyasa, ele tem que se certificar de que sua esposa será bem cuidada e receberá proteção em sua ausência. Agora existem muitíssimos casos de infelicidade por parte da esposa que foi abandonada pelo marido contra a vontade dela. Assim, como posso sancionar tal coisa? Quero evitar estabelecer qualquer mau exemplo para as gerações futuras; portanto, estou considerando com muita cautela seu pedido. Contudo, caso se torne muito fácil eu me casar e, em seguida, deixar minha esposa sob a desculpa de que a vida marital é um impedimento para o progresso espiritual pessoal, isso não será nada bom. Isso é um entendimento equivocado do que é avanço na vida espiritual. O dever ocupacional tem que estar presente, quer este, quer aquele, mas, uma vez que eu esteja ocupado em algum dever ocupacional, então não devo mudá-lo ou abandoná-lo: esse é o pior erro. O serviço devocional não é atado por tais designações. Portanto, uma vez que eu tenha escolhido, é melhor eu ater-me a esse caminho e desenvolver minha atitude devocional até o completo desabrochar do amor pelo Supremo. Essa é a compreensão de Arjuna.
Veja o vídeo de um casamento celebrado por Prabhupada em Los Angeles, 1973:
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Leia um texto muito interessante sobre casamento de Stephen Kanitz(Ponto de Vista - VEJA, Rio de Janeiro, 29 set. 2004 - Texto adaptado):
O contrato de casamento
Na semana passada, comemorei trinta anos de casamento. Recebemos dezenas de congratulações de nossos amigos, algumas com o seguinte adendo assustador: “Coisa rara hoje em dia”. De fato, 40% de meus amigos de infância já se separaram, e o filme ainda nem terminou. Pelo jeito, estamos nos esquecendo da essência do contrato de casamento, que é a promessa de amar o outro para sempre. Muitos casais no altar acreditam que estão prometendo amar um ao outro enquanto o casamento durar. Mas isso não é um contrato.
Recentemente, vi um filme em que o mocinho terminava o namoro dizendo “vou sempre amar você”, como se fosse um prêmio de consolação. Banalizamos a frase mais importante do casamento. Hoje, promete-se amar o cônjuge até o dia em que alguém mais interessante apareça. “Eu amarei você para sempre” deixou de ser uma promessa social e passou a ser simplesmente uma frase dita para enganar o outro.
Contratos, inclusive os de casamento, são realizados justamente porque o futuro é incerto e imprevisível. Antigamente, os casamentos eram feitos aos 20 anos de idade, depois de uns três anos de namoro. A chance de você encontrar sua alma gêmea nesse curto período de pesquisa era de somente 10%, enquanto 90% das mulheres e homens de sua vida você iria conhecer provavelmente já depois de casado.
Estatisticamente, o homem ou a mulher “ideal” para você aparecerá somente, de fato, depois do casamento, não antes. Isso significa que provavelmente seu “verdadeiro amor” estará no grupo que você ainda não conhece, e não no grupinho de cerca de noventa amigos da adolescência, do qual saiu seu par. E aí, o que fazer? Pedir divórcio, separar-se também dos filhos, só porque deu azar? O contrato de casamento foi feito para resolver justamente esse problema.
Nunca temos na vida todas as informações necessárias para tomar as decisões corretas. As promessas e os contratos preenchem essa lacuna, preenchem essa incerteza, sem a qual ficaríamos todos paralisados à espera de mais informação. Quando você promete amar alguém para sempre, está prometendo o seguinte: “Eu sei que nós dois somos jovens e que vamos viver até os 80 anos de idade. Sei que inexoravelmente encontrarei centenas de mulheres mais bonitas e mais inteligentes que você ao longo de minha vida e que você encontrará dezenas de homens mais bonitos e mais inteligentes que eu. É justamente por isso que prometo amar você para sempre e abrir mão desde já dessas dezenas de oportunidades conjugais que surgirão em meu futuro. Não quero ficar morrendo de ciúme cada vez que você conversar com um homem sensual nem ficar preocupado com o futuro de nosso relacionamento. Nem você vai querer ficar preocupada cada vez que eu conversar com uma mulher provocante. Prometo amar você para sempre, para que possamos nos casar e viver em harmonia”.
Homens e mulheres que conheceram alguém “melhor” e acham agora que cometeram enorme erro quando se casaram com o atual cônjuge esqueceram a premissa básica e o espírito do contrato de casamento. O objetivo do casamento não é escolher o melhor par possível mundo afora, mas construir o melhor relacionamento possível com quem você prometeu amar para sempre. Um dia, vocês terão filhos e, ao colocá-los na cama, dirão a mesma frase: que irão amá-los para sempre. Não conheço pais que pensam em trocar os filhos pelos filhos mais comportados do vizinho. Não conheço filho que aceite, de início, a separação dos pais e, quando estes se separam, não sonhe com a reconciliação da família. Nem conheço filho que queira trocar os pais por outros “melhores”. Eles aprendem a conviver com os pais que têm.
Casamento é o compromisso de aprender a resolver as brigas e as rusgas do dia-a-dia de forma construtiva, o que muitos casais não aprendem, e alguns nem tentam aprender. Obviamente, se sua esposa se transformou numa megera ou seu marido num monstro, ou se fizeram propaganda enganosa, a situação muda. Para aqueles que querem ter vantagem em tudo na vida, talvez a saída seja postergar o casamento até os 80 anos. Aí, você terá certeza de tudo.
Fontes: fórum ISKCON Bahia; Bhagavan dasa; Amigos de Krishna; Vestibular UFMG 2004
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